23 de junho de 2006

“Só mais um” ou “Maldito ácido láctico”

Quando se analisa qualquer tipo de actividade física é muito importante fazer o que na metodologia do treino se chama de caracterização do esforço.

Caracterizar o tipo esforço é saber quais são os sistemas orgânicos que concorrem para a execução dessa actividade, para depois podermos organizar a prática no sentido de aumentar a eficiência desses sistemas.

Falemos dos sistemas de fornecimento energético aos músculos.

Anteriormente referi a capacidade dos músculos de conseguirem utilizar diferentes tipos de combustível. Esta ideia não está devidamente clara. De facto, os músculos durante o seu trabalho – a contracção, só utilizam um tipo de combustível: o ATP (lembram-se da Biologia do 9º ano?). O que acontece é que a ressíntese desse ATP pode ser feita utilizando três diferentes fontes:

1. A creatina fosfato: este aminoácido está armazenado nos músculos e constitui a forma mais rápida de ressíntese de ATP. Porém as suas reservas esgotam-se rapidamente. É a fonte de ressíntese usada em todas as actividades caracterizadas por alta intensidade e curta duração. Por exemplo quando fazemos flexões no chão chega um dado momento em que não conseguimos fazer nem mais uma repetição e paramos, nesse momento esgotámos as reservas de creatina fosfato.

2. A glicose (hidratos de carbono armazenados no músculo): esta fonte de ressíntese de ATP resulta da transformação de glicose em ácido láctico, numa sequência de reacções. Este sistema é responsável pela energia predominante nos exercícios intensos com duração mais prolongada. Não é necessária a presença de oxigénio (anaeróbio).

3. A gordura: a ressíntese de ATP através da combustão de gorduras. Esta fonte tem a grande vantagem de ser muito rentável pois uma quantidade de gordura pequena resulta numa grande quantidade de ATP, porém como apenas se dá na presença de oxigénio (aeróbia), é muito lenta. Assim sendo é a mais utilizada em esforços prolongados e de baixa intensidade. O factor limitativo deste sistema é o aporte de oxigénio às células.

Estas três fontes funcionam ao mesmo tempo mas consoante o tipo de esforço haverá predominância de uma ou de outra. Por exemplo num treino de Kendo com duração de 1h 30 min. as fontes predominantes são a nº 2 e nº 3. Se for durante um kakari-geiko já será mais a nº 2.

Porque razão ficamos tão cansados durante o kakari-geiko? Serão as nossas reservas de glicose a esgotarem-se? Não, neste tipo de esforço o factor limitativo é a resistência à acumulação de ácido láctico. As reservas ainda dão para mais mas o ácido láctico é tanto que nos obriga a parar.

Como podemos então melhorar esta resistência? Muito simples: levar sistematicamente os músculos a concentrações enormes de ácido láctico e estes gradualmente vão aumentando a resistência ao lactato.

Tudo isto pode parecer muito científico e de facto já se gastaram horas e horas de investigação. Todavia dá-me imenso gozo constatar que são muitas mais as vezes em que as ciências do desporto e o kendo tradicional se aproximam do que aquelas em que se afastam, ou não fossem visões diferentes sobre os mesmos fenómenos.
Se não vejamos: “levar o músculo a concentrações altas de lactato” ou “só mais um men, vai, dá tudo...” não vos parece que vão dar ao mesmo...?

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